Por que as crianças estão cada vez mais infelizes?
- Ana Rita Bordin Cardoso
- 7 de nov. de 2018
- 5 min de leitura

Solidão, isolamento, falta de diálogo, angústia, ansiedade, bullying. São muitos os motivos que deixam crianças e adolescentes vulneráveis e desacreditados da vida.
Hora de escutar Ainda que cada um exerça e tenha um papel com pesos diferentes, pais e escola têm de assumir a responsabilidade de orientar crianças e jovens num mundo em transição contra o sofrimento psíquico.
Otimista por natureza, aquela pessoa que aposta no sujeito, na família, na escola e na humanidade, Jane Patrícia Haddad, mestre em educação, psicopedagoga e psicanalista, acredita que passamos por uma transição no mundo e no Brasil, onde valores e crenças são revistos. “Toda crise nos fortalece, nos reorienta e nos exige determinação. Este momento é muito profícuo, se conseguirmos nos reposicionar frente aos nossos filhos. Não sou defensora do discurso vazio de sentido de fim dos tempos como: o mundo não tem mais jeito, os jovens não querem nada com nada, as famílias estão desestruturadas. Enfim, estamos onde deveríamos estar, colocamos filhos no mundo muitas vezes nos esquecendo de que querer ter um filho é diferente de ser pai e mãe. Portanto, o momento é de escutar as novas gerações e retomar o leme dessa viagem. Há algo de novo que teremos que decifrar. Por que um número tão grande de crianças e jovens se encontram em sofrimento psíquico?”
“Escutar o outro em suas questões é um bom começo para se ter em mente que somos todos parte de uma grande família chamada humanidade. E é por ela que devemos liderar. A vida para muitas crianças e jovens está no nível insuportável e quando os escutamos percebemos que eles falam sobre suas angústias sim. Talvez nós adultos não estejamos preparados para escutá-los, já que estamos tão imbuídos de que eles sejam lindos, felizes e bem-sucedidos.”
Famílias e escolas são reflexos da sociedade em que estamos imersos e está faltando equilíbrio. O impacto da tecnologia nas novas gerações, os fanatismos e discursos de ódio, os pactos de amor baseados no ter, as promessas de satisfação a qualquer preço e principalmente a inabilidade de muitos adultos em colocar limites e uma certa pitada de frustração para seus filhos e filhas.
Desejo, proteção e realidade
Sugiro que desaceleremos nossos ritmos frenéticos de vida e reflitamos que mundo é esse que estamos apresentando aos nossos filhos. Onde eles podem tudo, onde a falta não entra em lugar nenhum, onde tudo e todos passam a ter ganhos. Onde estão entrando as perdas e os fracassos da vida bem vivida e sentida?
Para boa parte dos pais contemporâneos, exercer autoridade é quase sinônimo de ter que agradar aos seus “príncipes” e “princesas”, abrindo assim um longo caminho recheado de capricho e desresponsabilização frente às obrigações e de suas necessidades imediatas. O momento requer um rebalanço do nosso tempo, da qualidade dele e de que mundo estamos ofertando às novas gerações: um mundo apenas virtual (onde tudo é possível?) ou um mundo real, onde as coisas acontecem com suas dores reais?. As novas gerações estão buscando incansavelmente uma causa, algo que lhes faça sentido, algo que lhes sirva de referência e, acreditem, elas não vão parar.
O que fazer?
Sugestão aos pais:
» Escutem seus filhos. » “Percam” mais tempo com eles. » Conheçam o que eles estão assistindo e frequentando on-line. » Conversem e conversem. » Autoridade é o primeiro passo para a conquista de uma liberdade responsável. » Os pais devem buscar aplicativos de monitoramento aos acessos de seus filhos à internet. Isso já existe e é muito bem-vindo. » Proporcionem momentos agradáveis, sem ser em bares ou mesmo na frente de telas. » Em caso de separações, poupem seus filhos de ser pombo-correio, lembrem-se de que vocês são os adultos. » Reinventem-se.
Sugestão aos professores:
» Abram rodas de conversas com os pais. » Parem de preparar seus alunos para o futuro, existe um déficit de presente. Deem sentido em seus conteúdos. » Abra o debate junto aos pais sobre segurança na internet. O momento é de sensibilização deste mundo em aberto por meio de um aparelhinho. » Reconhecer seu aluno (a), sempre comparar ele com ele mesmo, ressaltar as características e seu crescimento sempre comparado com ele mesmo. » Procurar saber o que seus alunos estão lendo, assistindo, vivenciando. E trazer dinâmicas nas quais os sentimentos possam ser colocados na roda, às vezes é importante por meio de “bilhetes” anônimos, uma caixinha… » Procurar agregar à matemática pesquisas para leitura de gráficos com os temas: com quem moram, sua maior característica, rotinas… Assim obtemos uma leitura subjetiva bacana, além do perfil das famílias. » Na educação infantil, sempre oferecer brinquedos com os quais as crianças possam simbolizar a relação familiar. » No ensino médio, rodas de conversas com profissionais de diversos saberes sem o intuito de direcionar, e sim de escutar e abrir horizontes. » Lembrar que o afeto adquire importância essencial para o processo ensino-aprendizagem. É na matriz simbólica estabelecida a partir da linguagem e da fala que constituirá ou não o sujeito. Dar voz e vez a cada um, permitir que eles se façam ser escutados, mesmo em seus silêncios. ( Renata Feldman, psicóloga e psicoterapeuta humanista).
Em tempos pós-modernos, sentimos justamente a falta dele: do tempo. “Correria, agendas cheias, excesso de estímulos e atividades recaem também sobre o universo infantil, produzindo estresse e ansiedade, porta de entrada para a depressão”, avisa Renata Feldman ao lembrar que, com tantos estímulos e compromissos, há uma ênfase voltada para o pensamento, em detrimento da emoção e sua expressão.
“Regras a serem cumpridas, desempenhos a serem alcançados, pressões e cobranças permeiam o universo infantil e adolescente, gerando ansiedade, angústia e isolamento. Muitas vezes há um grito calado, abafado, dizendo ‘eu não quero, eu não dou conta’, e o resultado é uma sensação de fracasso que contribui para afetar a autoestima. E como as crianças têm mais dificuldade em reconhecer e nomear os sentimentos, vão sofrendo em silêncio ou, quando compartilham seu problema com os pais, costumam ouvir deles: ‘Isso é bobagem, chora não, vai passar!’. Muitas vezes, por não dar conta de verbalizar o que se passa no coração, psicossomatizam por meio de dores as mais diversas: dor de cabeça, dor de barriga, enjoos, náuseas, bruxismo etc. O que pode atrasar ou confundir o diagnóstico da depressão.”
Sem receita
A vontade de acertar não é garantia de sucesso. Mas os pais têm de assumir o papel de guardiões de seus filhos e estabelecer uma relação de verdade e confiança com eles
A vida reserva a todos momentos de acertos e desacertos. Muitas vezes, mesmo agindo para que tudo ocorra bem, são inevitáveis os tropeços. No entanto, só há dois caminhos: cultivar o sofrimento ou lutar para superá-lo. Essa dualidade faz parte da criação dos filhos. Não há uma receita pronta, única e garantida. Por isso, o desafio é enorme. O certo é que é preciso estar próximo deles, saber ouvi-los, tirar suas dúvidas, impor limites, dar liberdade e apoiá-los. Não é fácil!!!
Fonte: Texto extraído da reportagem de Lilian Monteiro/Uai Minas, 8 de maio de 2017, título: “O que tem deixado crianças e adolescentes tão tristes e depressivos? Como resgatá-los? Especialistas orientam”.
Renata Feldman, psicóloga e psicoterapeuta humanista
Jane Patrícia Haddad- Psicopedagoga
Por: Revista Prosa Verso e Arte
Imagem:odivadopsicanalista.blogspot.com
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