Um exterminador do futuro
- Fonte: Celso Antunes
- 4 de jul. de 2017
- 2 min de leitura
Ana Lúcia tem cinco anos. Adora fazer seus desenhos e, orgulhosa, constrói com paciência um lindo cavalo azul.
Apresenta-o a seu pai:
- Ah, desculpe, filhinha. Isso não parece, de maneira alguma, um cavalo...
O pai de Ana Lúcia, ainda que bem intencionado, não agiu de forma correta. Não percebeu que na idade da filha a janela da inteligência pictórica, que a leva a desenhar, insinua-se diante de sua inteligência espacial, levando-a a fantasiar, e que sua resposta representa forte desestímulo. Pode estar, sem perceber, sendo um pequeno exterminador da linguagem gráfica de Ana Lúcia.Deveria, então, mentir?
Deveria fingir que o desenho é lindo, maravilhoso, elogiar a filha e, desta maneira, cultivar a mentira, a insinceridade?
Claro que não. Se assim o fizesse, estaria substituindo o estímulo pela hipocrisia e, um pouco mais tarde, Ana Lúcia iria descobrir que seu pai não expunha um juízo crítico e que, portanto, sua opinião era sempre uma farsa. Sua inteligência espacial e pictórica havia perdido a sensibilidade de um poderoso aliado na figura mágica de um pai educador.
Como deveria, então, agir?
Deveria, é claro, elogiar. Mostrar à filha que aceita com aplauso a maneira como ela “vê” um cavalo. Que respeita essa maneira e, pacientemente, mostrar como ele, opai, costuma “ver” e, portanto, ilustrar cavalos. Nem anulação do esforço, nem mentira hipócrita, mas98120-7301 a singela percepção de que pessoas diferentes podem enxergar de formas diferentes os mesmos objetos. Ana Lúcia,certamente, estaria sendo estimulada a comparar sua maneira de perceber o mundo com a do pai e, eventualmente, criar uma terceira maneira de ver cavalos...
O pequeno exemplo de Ana Lúcia pode transportar-se da casa para a sala de aula.Poderia também, se ambientado em uma sala de aula, ser transportado para a casa. O que vale é a consciência do educador e não onde o mesmo está atuando.
Comments